quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

INTRIGAS DE ESTADO: O JORNALISMO RETRATADO PELO CINEMA

Filme produzido em 2009 pelo diretor Kevin Macdonald aborda aspectos atuais do jornalismo, discute as diferenças entre velhas e novas mídias e dramatiza a relação entre dois amigos, que tomam caminhos diferentes e veem a amizade abalada por uma investigação jornalística.

Em “Intrigas de Estado”, do diretor Kevin Macdonald, dois jornalistas que trabalham para o jornal americano The Washington Globe são escalados para investigar a morte de Sônia Baker, amante e membro integrante da equipe do deputado americanoStephen Collins (Ben Affleck). Um dos jornalistas é Cal MacAffrey (Russell Crowe), amigo do deputado, que começa a investigar o crime e coloca em risco, tanto a vida política de Stephen quanto a amizade existente entre os dois. A outra jornalista é Della Frye (Rachel McAdams), uma blogueira jovem e inexperiente que, graças a uma postagem em seu blog, acaba por participar da investigação.

VELHOS x NOVOS

Cameron, Della Frye e Cal MacAffrey  (Foto: Abril.com)

Nas entrelinhas do roteiro existe a relação entre os velhos e os novos parâmetros do jornalismo. De um lado um jornalista experiente, repórter especial do jornal, com perfil detetivesco, acostumado com matérias bem apuradas e defensor de uma investigação aprofundada sobre os fatos. Do outro, uma blogueira novata, ambicionada por conquistar espaço no jornal, que prefere tratar a morte de Sônia como um relacionamento extraconjugal do deputado, ou seja, um sentido de apuração voltado para o sensacionalismo, típico de grande parte dos jornais e blogs da atualidade.

A relação entre esses dois tipos de mídia é evidenciada durante todo o filme. Cal e Della, jornalismo sério e blogs da atualidade, se unem em busca do mesmo objetivo: desvendar os assassinatos e esclarecer a ligação do deputado com o crime. O filme consegue demonstrar de forma clara a diferença de dois perfis profissionais dentro de uma mesma empresa, separados por gerações e formações diferentes. A impressão é a de que o telespectador se diverte com o faro investigativo, experiência e frieza de Cal, contrapostos com a empolgação, a emoção e o ‘politicamente ético e correto’ de Della.

JORNALISMO x INTERESSE DO DONO x ANUNCIANTES

Outra situação real discutida no filme é a crise editorial instalada na grande maioria dos veículos de comunicação. Devido às exigências do mercado os jornais deixaram de ser independentes e imparciais e passaram a depender mais dos anúncios publicitários e interesses particulares e políco-partidários dos seus donos. No filme, esse cenário é representado pela editora-chefe Cameron Lynne (Helen Mirren), que por vezes se vê dividida entre investigar a suposta relação entre o assassinato de Sônia Baker com uma grande conspiração corporativa envolvendo militares, ou seguir as ordens dos seus superiores, preocupados apenas com os lucros do jornal.

Essa evidência pode ser comprovada em pelo menos duas falas da personagem. A primeira delas é quando a editora faz um comentário sobre a blogueira Della Frye: “Ela é esfomeada, barata e produz demais”. Assim vivem os atuais e futuros jornalistas, ou seja, trabalham demasiadamente, ganham pouco e ainda gostam do que fazem. É um perfil ideal para a crise financeira dos jornais e a constante corrida pelo imediatismo da informação. A segunda passagem é mais evidente, quando os jornais concorrentes publicam casos paralelos e sensacionalistas ao crime central do filme, e o The Washington Globe perde o furo por estar preocupado com a investigação aprofundada do caso: “Os novos donos querem venda, e não discrição” – esbraveja Cameron. A editora fica revoltada com a possível falência do jornal, ameaça demitir Cal, mas acaba por ceder aos interesses jornalísticos, e não comerciais.

ÉTICA

Outros aspectos jornalísticos abordados no filme são as relações entre jornalistas e fontes, além da ética para se obter informações. “Intrigas de Estado” mostra perfis tradicionais de fontes, utilizadas no dia-a-dia dos jornalistas, como funcionários de hospitais, policiais, seguranças, anônimos que cobram para liberar informações e até casos amorosos. Por outro lado, o filme cria a polêmica sobre o que é, ou não, ético, para conseguir informação. Entre os mais evidentes estão: embebedar e ameaçar um entrevistado, mentir sobre a própria identidade, promover brigas entre os lados envolvidos em um mesmo caso e até transar com as fontes.

O assunto sobre a ética no jornalismo é bastante difundido nas disciplinas durante a graduação, abordado por diversos autores em livros e discutido em seminários e congressos por todo o mundo. Porém, a ética está diretamente ligada à consciência de cada profissional. O que pode ser errado para alguns pode ser permitido e adotado por outros. Cada caso onde a ética entre em ‘xeque’ deve ser analisado separadamente de um contexto geral, justamente pelo fato de não existir um manual sobre o que é certo ou errado quando a profissão trabalha em defesa dos interesses públicos.

JORNALISMO INVESTIGATIVO x TRABALHO DA POLÍCIA

A base de “Intrigas de Estado” é o jornalismo investigativo. As técnicas utilizadas na apuração dos fatos, como análise de fotos, telefonemas, circuitos de segurança, conversas sigilosas e pesquisas de campo são típicas do trabalho da Polícia – outra relação comum, real e delicada abordada na trama. As investigações jornalísticas ora atrapalham, ora contribuem, para a investigação policial. A sensação é de que existe uma disputa entre as duas partes sobre quem vai esclarecer os assassinatos primeiro.

MINHA RESPONSABILIDADE x MEU AMIGO

Cal 'trai' o amigo Stephen a favor do Jornalismo (Foto: Google)
Por fim, o drama do filme gira em torno da amizade entre Cal e o deputado Stephen, abalada por uma investigação jornalística. Cal fica dividido entre ajudar o amigo ou publicar a verdade sobre os fatos. De início, a reportagem do jornalista estava voltada em provar a inocência do deputado, porém, após analisar provas e ligar os fatos, o jogo se inverte: Cal descobre que o amigo é o mandante do crime da amante e toma a difícil decisão de arruinar uma amizade em favor do compromisso jornalístico de sempre buscar a verdade.

Produzido em 2009, “Intrigas de Estado” é o mais recente longa metragem a escolher o jornalismo como tema central. O último havia sido “Todos os Homens do Presidente”, clássico do cinema de 1976. Com linguagem simples e de fácil assimilação, pode-se dizer, em suma, que o filme restaura assuntos antigos e opina sobre temas polêmicos e reais da esfera jornalística, deixando o público livre para formar a própria opinião sobre o desenrolar dos fatos e as atitudes de cada personagem.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

SINAL AMARELO PARA O JORNALISMO INVESTIGATIVO

Sete ministros do Governo Dilma e vários chefes de estado e ditadores mundo afora. Esse é o balanço de representantes que a imprensa nacional e internacional conseguiu ‘derrubar’ nos últimos meses devido a escândalos de denúncias, corrupção, além de pressões políticas, econômicas e sociais. Entretanto, a queda nem sempre significa o fim do caso, e os jornais precisam ‘acordar’ para esse perigoso estilo de jornalismo investigativo.

Atenção e Cuidado

Não é de hoje que assuntos como “caiu o ministro tal” ou “fulano é suspeito de fazer tal coisa” estampam as capas de jornais e revistas, atravessam as ondas do rádio, ocupam os noticiários da TV ou tornam-se os temas mais comentados nas redes sociais. Acontece que o fazer jornalismo investigativo chegou a um ponto onde tudo parece muito previsível, cansativo e vicioso.

Basta um veículo publicar uma denúncia ou protesto que logo em seguida, nos dias subsequentes, surge uma série de reportagens consideradas denuncistas, de cunho investigativo, para acompanhar o ‘calvário’ dos governantes até a renúncia ou demissão do cargo, consideradas um prêmio para opositores e jornais.

Mas o bom jornalismo investigativo não deve parar por aí. Os erros cometidos por esses ‘derrotados’ não se resolvem simplesmente com a perda do cargo ou mandato. A imprensa esquece de dar sequência às investigações, cobrar as devidas punições ou explicar, por exemplo, quem vai ressarcir os cofres públicos das tantas irregularidades administrativas cometidas. Seria incrível se a máxima “o tal ministro caiu, acabou o problema” fosse real.

Outra realidade. Há certo exagero nos escândalos. O jornalismo deve tomar uma declaração ou denúncia de determinado caso como ponto de partida para uma investigação aprofundada, e não como uma prova concreta de supostas irregularidades. Nesse cenário, jornalistas e jornais tornam-se presas fáceis de interesses e provocações da oposição. E um bom profissional sabe que na maioria das vezes quem abre a boca para reclamar é porque supostamente ficou fora do ‘bolo’ ou teve as vantagens e privilégios cancelados. É difícil acreditar na inocência absoluta. O certo é apurar, se possível encontrar provas e depois publicar.

Como citou Alberto Dines no artigo “Velhacarias Investigativas – Sujeira não limpa sujeira” publicado mês passado no portal Observatório da Imprensa, “o uso de denúncias explosivas e espetaculares – não comprovadas e não comprováveis- para alavancar outras menos apelativas é um recurso chinfrim, maroto. Cria precedentes perigosos, estimula a criação de uma categoria de agentes provocadores e arapongas que vivem nos corredores do poder”.

Nesse contexto, percebe-se que a imparcialidade e a malícia passaram a ser virtudes da sociedade atual, principalmente no universo dos formadores de opinião. Não significa ser fraco ou ‘ficar em cima do muro’. Significa ter conhecimento, maturidade e coragem suficientes para entender o ‘jogo’ e não se deixar contaminar pelos interesses de outrem. Por hoje, basta.